O dia em que Bolsonaro encontrou (Madame) Satã




   Vestido com um terno branco, duas rosas no bolso do paletó e um chapéu sobre a cabeça o negro andava. Era uma ansiedade só. E falava e sapateava e gritava e dançava e até que cantava razoavelmente bem, mas não foi educado, o coitado.

   Era assim que pensava aquele outro de terno moderno, olhar ereto, arrumado. Mas, afinal, onde é que estava?! Pensou bem e andou mais adiante, até que olhou ao chão e viu um mendigo um tanto estranho, sandália ao pé, andando e falando...
  • Amigo, onde é que estou?!
  • Você me considera seu amigo? - retrucou o mendigo
  • Sim, digo, não, quero dizer é só um modo de falar...
  • Então não sou, de fato, teu amigo?!
   Ficou com raiva, com ódio, mas não soube responder... Até que se encheu e falou logo o que pensava...
  • Olha aqui, colega, não sou teu amigo, só quero saber onde é que estou...
  • Isso depende de você.
  • Não entendi...
  • Suponho que o senhor não seja lá muito educado...
  • Você sabe com quem está falando?
  • Não, e você? Poderia definir com precisão?
  • Eu sou um deputado! E você?
  • Tudo que sei é que nada sei...
   E olhando assim até que o tal mendigo lembrava alguém conhecido, mas quem? Qual era o nome deste ser tão mal vestido, tão estranho e decidido?
  • Eu sou Sócrates
   Pronto, além de mendigo era maluco...
  • Claro, e eu sou Platão...
   A resposta foi ainda mais surpreendente...
  • Com o perdão do trocadilho, você não é nem sombra do Platão... Platão está ali, travando uma disputa de ideias com Homero, e, sinto lhe informar, você está no inferno...
  • No inferno?!
   Sim, agora tudo ficara claro. Não era possível sobreviver a três tiros tomados. Mas porque estava ele ali, no inferno? Porque raios não havia de ir para o paraíso?
  • Eu não POSSO estar no inferno, você deve estar enganado!
   E lembrou-se que estava falando com alguém que nunca havia se enganado... E esbravejou e ficou vermelho e gritou tudo o que um dia já havia pensado...
  • Inferno é coisa de veado!
   Foi então que aconteceu, aquele negro de terno havia ouvido e estava mal encarado. Viu a dupla de rosas vindo em sua direção, aquele olhar bravo, deu um passo para trás e rezou, esquecendo que já estava no inferno...
  • Tá com medo de mim, meu amor?!
  • Eu n...não s..sou seu amor
  • Mas bem que podia ser - e dizendo isso deu-lhe um abraço mais apertado
  • Eu não g...gosto...de ve...veado!
   O negro soltou e o empurrou com força, bravo que estava. 
  • Mas não foi isso que teu corpo me falou... 
  • Corpo não fala, seu negro assanhado.
  • Mas o teu falou, ficou até arrepiado...
   E começou a cantar um samba, emocionado. O tal deputado ouviu com presteza e atenção. Não se sabe se por medo ou se por gostar do que ouvia, mas sentou-se e começou a ouvir... Uma pequena multidão se amontoou, e alguns antigos companheiros do deputado também estavam ali, assistindo emocionados...
  • Eu roubo mas não faço melhor que isso - disse um que estava ao lado...
   Ao final da cantoria levantou-se e aplaudiu o tal negro safado. E sorrindo o negro foi ter ao seu lado. E o abraçou e apertou e olhou bem nos seus olhos. Sentiu sua espinha arrepiar, de medo, com certeza, concluiu o deputado.
  • Percebe, como fala o corpo, seu tarado?!
  • Eu nã..não... eu... eu...
   E o negro levou o deputado ali para o lado. E passou a mão em seu peito estufado. E sorriu um sorriso branco e pegou a mão do deputado...
  • Não...eu n..não...eu não...
  • Vai me dizer que não quer, deputado?!
  • N...não... é...é... que... 
   Foi então que Madame Satã percebeu a aflição do deputado...
  • Tadinho - falou bem alto - morreu virgem, o deputado...
   A multidão gargalhou, e o negro amou o deputado.

   Hoje não o chamam mais de Bolsanaro... ganhou o nome de Diabo, companheiro sempre fiel de sua madame.


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